18\12\83. Levantei e, sem ter o que
comer, segui viagem. Senti o corpo
cansado. Encontrei uma espiga com alguns
grãos de milho cozido no acostamento e comi. Depois, mais um meio pacote de bolachinhas
salgadas também serviu como
¨combustível¨. Andei uns 15 km e
parei num posto de gasolina.
A cidade mais próxima, Cajati, ficava a 60 km de
distância. Fraco e com fome, eu não tinha disposição para andar mais umas 5 ou
6 horas em estrada de serra. Consegui carona com um caminhão da empresa União
até Registro, a 110 km. Estando a 20 km de Registro, encontramos um caminhão
tombado. Era de um colega da empresa União. Descemos e fomos dar
uma olhada. O motorista deu uma
olhada para dentro da cabine. No estado
em que ficou o caminhão, o colega poderia ter morrido. Entretanto, João de Deus, o motorista do caminhão
tombado, apareceu do outro lado do caminhão. Estava intacto. Havia tombado o caminhão à meia-noite. Tinha dormido na direção. Ficara ali para proteger
a carga contra ladrões.
Seguimos viagem e desci
em Registro. O
caminhão seguiu rumo a São Paulo, sendo
que o motorista me deu 200 cruzeiros e desejou boa sorte.
Entrei
na cidade. Segui por uma rua que margeava o rio. Passei numas
casas. Ganhei pão, leite e duas
laranjas. Consumi pão e leite. Fui a um
posto de gasolina. Comi as
laranjas. Foi noutra casa. Tomei suco de laranja e comi pão com carne.
Em outra, pão com manteiga. Tendo enganado o estômago provisoriamente,
procurei uma praça para descansar. Entrei no prédio da Telesp e, enquanto
descansava, atualizei o diário. Telefonei para mamãe. Permaneci ainda na Telesp
conversando com uma senhora e depois fui procurar algumas casas para pedir mais
alimentos. Caiu uma forte chuva. Abriguei-me numa garagem que ficava ao lado de
um estádio de futebol.
Tendo passado a chuva, cheguei a uma casa cujo portão
estava trancado. Vi uma pessoa na sala, deitada
num sofá. Bati palmas.
A pessoa que estava no sofá levantou e pedi algo para comer. Era o Sr.
Hideaki Uematsu. Ele trouxe para mim um
pacote de bolachas. Disse achar estranho
eu estar fazendo uma viagem tão longa, pois a minha bicicleta não era preparada
e eu não usava mochila. Prontamente, expliquei as razões de andar daquele jeito e
mostrei o exemplar do jornal Folha do Mate que havia divulgado a minha
aventura. Ele me convidou para entrar e comer
inhoque. Eram quase 16 horas. Entrei.
Enquanto conversávamos, comi
inhoque, salada, carne, feijão, arroz.
Havia dois pauzinhos na salada, mas ganhei garfo e faca para me
servir. Após terminar a refeição, o Sr.
Hideaki ainda serviu melancia. Sugeriu
colocar sal na melancia. Ele era de
opinião que o sal acentua o gosto. Fiz a experiência. Era gostoso, mas preferi comer sem sal. Eu
estava querendo sair e dar umas voltas pela cidade, para não abusar da
hospitalidade do Sr. Hideaki, mas ele me
convidou ainda para assistir Fluminense
x Corinthians pela televisão. Fiquei. Enquanto o jogo ia se desenrolando,
continuamos a conversar. Ele leu uma parte do meu diário e sugeriu que eu anotasse
os aspectos pitorescos da viagem. Explicou que sentiu o texto monótono e que os
fatos pitorescos melhorariam, já que eu tencionava escrever um livro. Na sala
também participava da conversa sua esposa, Mitiko.
Mais tarde, chegaram suas
duas filhas, Elaine e Carla. Tomei um banho, fomos a um restaurante oriental
jantar, andamos um pouco de carro pela cidade e voltamos à casa por volta das
23 horas. Elaine pretendia estudar psicologia.
Em seguida, fomos dormir. Eu não estava com sono, mas já era tarde.
19\12\83. Dormi bem e levantei cedo. Fui do quarto à sala, sem barulho, e atualizei o diário enquanto esperava o pessoal levantar. A família levantou.
Tomamos o café da manhã. Entramos no carro. A família ia trabalhar.
Deixamos Hideaki no DNER e fomos à loja
da Sra.Mitiko. Elaine e Carla
trabalhavam na loja de brinquedos e artigos de bazar que ficava na principal rua da cidade. Permaneci um pouco na loja
observando o movimento.
Depois, voltei à casa, peguei a bicicleta e fui ao
jornal Tribuna da Ribeira, onde dei reportagem. Fui entrevistado por uma
repórter muito simpática. Depois, dei umas
voltas pela cidade. Voltei à loja e fiquei por lá até o meio-dia, quando fomos
almoçar.
Após o almoço, arrumei minhas
coisas para seguir viagem. Na bagagem eu levava as bolachas, pedaços de pizza e
duas latas de coca-cola, que Hideaki me dera, além de um boné e 2.500
cruzeiros. Hideaki, Elaine e Carla me
acompanharam até a rua. Apertei a mão de
Hideaki. Senti que ia chorar. Controlei-me e parti.
Quando dobrei a esquina,
deixei a emoção acontecer. Andei uns 20 minutos chorando. A estrada era muito
boa. Havia um sol quente e um vento gostoso que vinha da esquerda.
Ao
anoitecer, cheguei a Pedro Barros, uma cidadezinha de uns 1000 habitantes. Ao
lado de uma pracinha, com dois bancos e duas árvores, vi dois garotos batendo
bola. Um chutava e outro, que se dizia ser Solito, o goleiro do Fantástico,
fazia piruetas e imitava os grandes goleiros, ao mesmo tempo em que narrava os
lances.
Enquanto eu observava a cena que muitas vezes vivi na minha infância,
um senhor perguntou o que é que eu tinha na caixa para vender. Contei a ele da minha aventura. Ele falou que conhece Porto Alegre e me deu
mil cruzeiros. Comi os pedaços de pizza. Chutei umas bolas com o Solito no gol.
Consegui fazer uns 3 ou 4 gols. O outro garoto, Laércio, deu umas voltas com a
minha bicicleta. Tomei uma latinha de coca-cola e atualizei o meu diário
enquanto falava um pouco com meia dúzia de garotos que apareceram de bicicleta.
Acho que representavam a classe dos ciclistas de Pedro Barros. Comi mais umas
bolachas, tomei a outra coca-cola.
Um
rapaz, filho do guarda da estação ferroviária, me indicou um barraco
desocupado, no qual eu poderia passar a noite. Fui até lá com ele. Passamos por
uns bares onde só havia homens. Jogavam
sinuca e conversavam animadamente. Vi
algumas camisas do Corinthians. Cheguei
ao barraco e entrei com a bicicleta sem ser notado. Vesti uma calça e deitei no
chão de madeira, todo empoeirado. Ouvi
os garotos passarem de bicicleta.
Estavam à minha procura.
Adormeci.