domingo, 17 de julho de 2016

Minha primeira grande viagem (Divisa PR\SP - Pedro Barros) (5ª Parte)

18\12\83. Levantei e, sem ter o que comer, segui viagem.  Senti o corpo cansado.  Encontrei uma espiga com alguns grãos de milho cozido no acostamento e comi.  Depois, mais um meio pacote de bolachinhas salgadas também serviu como  ¨combustível¨.  Andei uns 15 km e parei num posto de gasolina.

 A cidade mais próxima, Cajati, ficava a 60 km de distância. Fraco e com fome, eu não tinha disposição para andar mais umas 5 ou 6 horas em estrada de serra. Consegui carona com um caminhão da empresa União até Registro, a 110 km. Estando a 20 km de Registro, encontramos um caminhão tombado. Era de um colega da empresa União.  Descemos e fomos  dar  uma olhada.  O motorista deu uma olhada para dentro da cabine.  No estado em que ficou o caminhão, o colega poderia ter morrido.  Entretanto, João de Deus, o  motorista  do caminhão  tombado, apareceu do outro lado do caminhão.  Estava intacto.  Havia tombado o caminhão à meia-noite.  Tinha dormido na direção.  Ficara ali para  proteger  a carga  contra  ladrões.  Seguimos  viagem e  desci  em  Registro.  O  caminhão  seguiu rumo a São Paulo,  sendo  que  o motorista me deu 200 cruzeiros e desejou boa sorte.

 Entrei na cidade. Segui por uma rua que margeava o rio.  Passei numas  casas.  Ganhei pão, leite e duas laranjas.  Consumi pão e leite. Fui a um posto de gasolina.  Comi as laranjas.  Foi noutra casa.  Tomei suco de laranja e comi pão com carne. Em outra,  pão com manteiga.  Tendo enganado o estômago provisoriamente, procurei uma praça para descansar. Entrei no prédio da Telesp e, enquanto descansava, atualizei o diário. Telefonei para mamãe. Permaneci ainda na Telesp conversando com uma senhora e depois fui procurar algumas casas para pedir mais alimentos. Caiu uma forte chuva. Abriguei-me numa garagem que ficava ao lado de um estádio de futebol. 

Tendo passado a chuva, cheguei a uma casa cujo portão estava trancado. Vi uma pessoa na sala, deitada  num  sofá.  Bati palmas.  A pessoa que estava no sofá levantou e pedi algo para comer. Era o Sr. Hideaki Uematsu.  Ele trouxe para mim um pacote de bolachas.  Disse achar estranho eu estar fazendo uma viagem tão longa, pois a minha bicicleta não era preparada e eu não usava mochila. Prontamente,  expliquei as razões de andar daquele jeito e mostrei o exemplar do jornal Folha do Mate que havia divulgado a minha aventura.  Ele me convidou para entrar e comer inhoque.  Eram quase 16 horas.  Entrei.  Enquanto conversávamos, comi  inhoque, salada, carne, feijão, arroz.  Havia dois pauzinhos na salada, mas ganhei garfo e faca para me servir.  Após terminar a refeição, o Sr. Hideaki ainda serviu melancia.  Sugeriu colocar sal na melancia.  Ele era de opinião que o sal acentua o gosto. Fiz a experiência. Era gostoso, mas preferi comer sem sal. Eu estava querendo sair e dar umas voltas pela cidade, para não abusar da hospitalidade do Sr. Hideaki, mas ele me convidou  ainda para assistir Fluminense x Corinthians pela televisão. Fiquei. Enquanto o jogo ia se desenrolando, continuamos a conversar. Ele leu uma parte do meu diário e sugeriu que eu anotasse os aspectos pitorescos da viagem. Explicou que sentiu o texto monótono e que os fatos pitorescos melhorariam, já que eu tencionava escrever um livro. Na sala também participava da conversa sua esposa, Mitiko. 

Mais tarde, chegaram suas duas filhas, Elaine e Carla. Tomei um banho, fomos a um restaurante oriental jantar, andamos um pouco de carro pela cidade e voltamos à casa por volta das 23 horas. Elaine pretendia estudar psicologia.  Em seguida, fomos dormir. Eu não estava com sono, mas já era tarde. 


19\12\83. Dormi bem e levantei cedo. Fui do quarto  à sala, sem barulho, e atualizei  o  diário enquanto esperava o pessoal levantar.  A família  levantou.  Tomamos o café da manhã. Entramos no carro. A família ia trabalhar. Deixamos Hideaki no DNER e fomos à loja da Sra.Mitiko.  Elaine e Carla trabalhavam na loja de brinquedos e artigos de bazar que ficava na principal  rua da cidade. Permaneci um pouco na loja observando o movimento.

Depois, voltei à casa, peguei a bicicleta e fui ao jornal Tribuna da Ribeira, onde dei reportagem. Fui entrevistado por uma repórter muito simpática.  Depois, dei umas voltas pela cidade. Voltei à loja e fiquei por lá até o meio-dia, quando fomos almoçar. 

Após o almoço, arrumei minhas coisas para seguir viagem. Na bagagem eu levava as bolachas, pedaços de pizza e duas latas de coca-cola, que Hideaki me dera, além de um boné e 2.500 cruzeiros.  Hideaki, Elaine e Carla me acompanharam até a rua. Apertei  a mão de Hideaki. Senti que ia chorar. Controlei-me e parti. 

Quando dobrei a esquina, deixei a emoção acontecer. Andei uns 20 minutos chorando. A estrada era muito boa. Havia um sol quente e um vento gostoso que vinha da esquerda. 

Ao anoitecer, cheguei a Pedro Barros, uma cidadezinha de uns 1000 habitantes. Ao lado de uma pracinha, com dois bancos e duas árvores, vi dois garotos batendo bola. Um chutava e outro, que se dizia ser Solito, o goleiro do Fantástico, fazia piruetas e imitava os grandes goleiros, ao mesmo tempo em que narrava os lances.

 Enquanto eu observava a cena que muitas vezes vivi na minha infância, um senhor perguntou o que é que eu tinha na caixa para vender.  Contei a ele da minha aventura.  Ele falou que conhece Porto Alegre e me deu mil cruzeiros. Comi os pedaços de pizza. Chutei umas bolas com o Solito no gol. Consegui fazer uns 3 ou 4 gols. O outro garoto, Laércio, deu umas voltas com a minha bicicleta. Tomei uma latinha de coca-cola e atualizei o meu diário enquanto falava um pouco com meia dúzia de garotos que apareceram de bicicleta. Acho que representavam a classe dos ciclistas de Pedro Barros. Comi mais umas bolachas, tomei  a outra coca-cola.

 Um rapaz, filho do guarda da estação ferroviária, me indicou um barraco desocupado, no qual eu poderia passar a noite. Fui até lá com ele. Passamos por uns bares onde só havia homens. Jogavam sinuca e conversavam animadamente.  Vi algumas camisas do Corinthians.  Cheguei ao barraco e entrei com a bicicleta sem ser notado. Vesti uma calça e deitei no chão de madeira, todo empoeirado.  Ouvi os garotos passarem de bicicleta.  Estavam à minha procura.  Adormeci.



Um comentário:

  1. Quando ando num lugar assim, quanto mais deserto estiver, mais eu me sinto realizado. Esta foto, copiada, recente, mas me causa a mesma impressão de 30 anos atrás.

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