No dia
03\12\1983 iniciei a minha primeira viagem de bicicleta entre o Rio Grande do
Sul e o Pará. A motivação, um sonho de
infância: estar só, num lugar estranho, sem dinheiro, entre pessoas estranhas,
e PEDIR (alimento, proteção, orientação).
Andar
na estrada é algo que me dá uma sensação de plenitude, não sei explicar
direito, sinto que faz muito bem ao meu espírito. É fato que, não poucas vezes,
o corpo reclama por causa de alguns excessos, mas isso não diminui a minha
disposição.
Quando
criança, eu sonhava muito que estava voando devagar, perto do chão, como se
estivesse levitando. Andar de bicicleta é, em algum grau, semelhante.
Em Porto Alegre, na casa de um casal
conhecido de meu irmão mais velho, ele fez a última revisão na minha bicicleta,
que era, por coincidência, o mesmo modelo da dele. Ele regulava tudo com incrível precisão.
Nunca soube que ele tenha trabalhado como mecânico...
A bicicleta, marca Odomo, coroa 46, catraca
20, freio contra-pedal, central de pino, com dez anos de uso.
Às 17
horas e pouco nos despedimos e eu saí no rumo de Gravataí. Uns 30 km. Trânsito
intenso, urbano, muito vento e poeira. Ainda antes de escurecer, cheguei e
procurei o apartamento de uma ex-colega de curso, Margarete, que estava à minha
espera.
Após
tomar banho e lavar a roupa que eu acabara de usar, ficamos na sala ouvindo
música e conversando. Depois, jantamos (leite, pão, queijo, mortadela, ovos).
Depois, novamente, voltamos à sala e conversamos mais e mais, e no final,
trocamos um abraço e fomos dormir. Se a memória não falha, ela tinha duas
filhas, umas meninas de 5 a 7 anos.
No dia
seguinte, 04\12, na sala, acordei e me atrevi a colocar uma fita de Joan Baez a
rodar. Tomamos café e continuamos a conversar até as dez e pouco, quando
resolvi seguir viagem, agradeci a hospitalidade, dei um abraço nela e fui.
Achei que neste dia iria até Osório (+ 87 km).
Tendo andado uns 15 km, logo após ter passado em frente à fábrica Pirelli, um
caco de vidro furou o pneu traseiro. Parei no alto de uma coxilha, à sombra de
uma árvore, fiz o remendo e segui adiante. À medida que o tempo passava, o
vento contra ficava mais forte, e, sem câmbio, era uma briga para avançar.
Algumas vezes, no plano, não consegui pedalar e empurrei a bicicleta.
Ao
anoitecer, cheguei a Santo Antônio da Patrulha, a 55 km de Gravataí. Já escuro,
pedi alimentos em 3 casas e uma fruteira, sendo que ganhei pão, bolo, roscas,
queijo, laranjas e tomates. Eu me senti realizado, pois ninguém disse não. Fiz
um bom jantar e guardei o restante para o outro dia. Entrei num parque de
diversões, conversei com algumas pessoas para saber onde eu poderia pedir para
dormir. Dois meninos foram comigo até um caminhão estacionado em frente a uma
casa e disseram que eu poderia dormir na cabine, pois o pai deles sempre
deixava aberto. Agradeci e logo me instalei.
No dia
seguinte, 05\12, acordei por volta das 6 horas, fiz minha primeira refeição com
as sobras do dia anterior. Dei umas voltas pela cidade e mais tarde fui dar uma
entrevista na Rádio Itapuí.
Às onze
horas segui no rumo de Osório, sendo que os 30 km foram percorridos sem
dificuldade, uma vez que o vento estava calmo. Quando cheguei, o céu estava com
cara de chuva. Fui pedir alimentos em algumas residências; ganhei bananas,
laranjas, bolo e sanduíche. Estando bem alimentado, fui até a Rádio Osório e
dei outra entrevista.
Depois,
mais umas voltas pela cidade, e às 16 horas, me dirigi para Terra de Areia,
onde cheguei às 19:30. Foram 52 km de acostamento ruim, muitos caminhões na
pista, obras, e vento forte. Lá, conforme combinado em Osório, procurei a
residência do Sr. Dilon Bittencourt, onde jantei e dei entrevista para um
jornal. Fui dormir num banco no posto de gasolina. Estava muito frio e dormi
pouco. Além do frio, houve muito barulho naquela noite, pois o Grêmio tinha se
tornado Campeão Mundial de Futebol e eu, como torcedor do Internacional, não
gostei.
No dia seguinte, 06\12, fui acordado pouco
antes de amanhecer. Atualizei meu diário e escrevi um aerograma para um amigo
de São Luís do Maranhão. Fui a uma residência, pedi pão, despachei o aerograma
no correio e fui ao fotógrafo tirar a foto que o Sr. Dilon havia pedido. O
fotógrafo fez umas fotos com a máquina dele e esta com a minha.
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