domingo, 8 de junho de 2014

Viagem Belém-Parnaíba-Natal (parte 3 de 3)

Décimo segundo dia. Fui  no rumo  de  Aracati.  Próximo da entrada para Beberibe,  o  vento  começou  a   incomodar  e  só  mudou  quando  passei  na  entrada  da  praia  do  Fortim,  já  no  final  do  dia.  Neste  dia  vi  uma  usina  de  sal,  salinas  à  beira  da  estrada,  uma  fábrica  de  rapaduras.  Vi  também  muitos  restaurantes\lanchonetes  para  turistas.  Pedi  algo  para  comer  numa  delas.  Todos  os  que  trabalhavam  lá  pareciam  adolescentes.  Mandaram falar com  o  gerente.  Um  menino.  Ele  mandou  preparar  um  lanche  com  tudo  de  bom,  entregou  na  minha  mão  e  disse, com incrível  educação,  para  eu  levar  e  comer  mais  adiante, pois  a  empresa  não  gosta  que  mendigos  permaneçam  nas  dependências... Agradeci  pela  merenda  e   pelo  atendimento.  Mais adiante,  numa  outra,  pedi  também,  e  fui  igualmente  bem  tratado,  já  com  pessoal  mais  adulto,  e  com  menos  formalidades.
À noitinha,  na  entrada  de  Aracati,  fui  ao  borracheiro  e  pedi  a  ele  que  colocasse  o  pneu  reserva  que  eu  tinha  levado,  pois  o  traseiro,  embora  novo,  estava  com  um  calombinho e   eu  sabia  que  ele  duraria  menos  de  400 km. Deixei   o  pneu  com  calombo  lá  na  borracharia,  agradeci , e  passei  por  Aracati  pela  estrada  que  circunda  a  cidade  e  fui  dormir  num   posto  de  gasolina  que  fica  na  entrada  para  Canoa  Quebrada.  Havia  uns  carros  com  grandes  caixas  de som   fazendo  um  barulhão  no posto,  o  que  me  deixou  muito  chateado,  mas  um  andarilho  cansado  sempre  consegue  dormir.
Décimo terceiro dia.  O motorista da carreta onde eu estava com a minha rede pendurada estava batendo os  pneus  quando acordei e levantei. Agradeci, tomei café na lanchonete e entrei na estrada no rumo de Mossoró.  Estrada  sem subidas  mais  fortes,  acostamento  ruim,  mas  com  movimento  até  calmo.  Vento contra   vindo  da esquerda.  Muitos   cajueiros, algumas  perfurações (parecia  de  petróleo). Na  entrada  para  Icapuí ,  parei  para  fazer  uma  merenda  num  restaurante,  onde  a  dona  me  conhecia  desde  1987,  quando  ela  serviu  café  para  eu  a  minha  mulher;  naquela  oportunidade  estávamos  em  lua-de-mel  indo  de  bicicleta  para  o  Rio  Grande  do  Sul.  Em  1998 ou 1999, mais  de  dez  anos  depois,  numa  outra  vez  que  passei  por  lá,  só  fui  no  orelhão,  do  lado  de  fora,  e  ela  veio  lá  de  dentro  conversar  comigo  por ter  reconhecido  a  minha  voz....
Seguindo  viagem,  desconfiei  que o pneu traseiro estivesse furado,  mas continuei.  Passei a fronteira  com o RN  e  o  vento  começou a ficar mais forte.  Num  trecho  de reta, faltando uns 15 km para  Mossoró,  o pneu traseiro esvaziou. Parei para trocar a câmara. Não faço remendos. Prefiro levar câmaras de reserva, uma para cada 1000 km. Péssimo mecânico, gastei mais de 40 minutos só para encontrar e tirar do pneu aquele aramezinho fino como um cabelo.  Isto foi naquele sol  de meio-dia, pois no trecho só havia aquele mato nordestino sem folhas e cheio de espinhos.... Depois, em Mossoró, ainda  fui  a uma oficina de bicicletas, mas não lembro o que fiz lá. Pedi ¨merenda¨ num  mercadinho  e  numa  padaria, atravessei a cidade  e  pedalei   até o final do dia, quando entrei no posto de gasolina ¨Zé da Volta¨, me sentindo mais cansado do que nos dias anteriores.  Ganhei um PF e pendurei a rede para dormir entre duas árvores.
Décimo quarto dia.  Saí do posto  com  vento  a  favor,  mas,  pouco  adiante,  quando fiz uma curva para a esquerda  acabou  a  moleza.  À medida que eu me aproximava de Açu, as subidas pareciam ficar mais difíceis.  Segui  andando  preguiçosamente,  cansado  como  nunca.Num posto de gasolina uns 5 km antes de Açu, parei um bocado de tempo para descansar e comer. Não lembro o que comi.  Continuei,  subida após  subida,  e acabei entrando em Angicos. Fui à casa de Manoel João e Dona Severina, onde já estive todas as vezes em que passei por Angicos (umas 5 ou 6). Colocamos a conversa em dia.  Foi um descanso providencial. Após o jantar, fui dormir cedo.
Décimo quinto dia.  Pão, leite, cuscuz, ovos. Bem alimentado,  me despedi do pessoal e saí de Angicos lá pelas 8 da manhã, mais tarde do que o costume. Em condições normais, havia possibilidade de chegar até o destino final, Muriú, uma praia localizada uns 40 km ao norte de Natal.  Neste dia fui vencido pelo vento. Para chegar até um posto de gasolina perto de Lajes, mais ou menos 40 km de  distância, gastei mais de cinco horas. O que ficou bem memorizado no trecho foi a vista daquele estranho  e bem redondo morro, que recentemente, soube que é um vulcão extinto.  No posto fiquei descansando até as 15:30 e depois  percorri mais 28 km em 3 horas, quando cheguei ao  próximo posto de gasolina, em Caiçara do Rio dos Ventos.  E, como se tanto vento não bastasse, o único lugar que encontrei para pendurar a rede foi entre duas torres metálicas que distavam 10 metros uma da outra. Usei as duas cordas  que levava e a rede ficou a 10 cm do chão. O vento não sossegou, nem por um segundo, a noite inteira.  A rede, amarrada, queria sair voando como uma pipa. Mesmo assim, passando um pouco de frio, consegui dormir razoavelmente.
Décimo sexto dia. Restando mais ou menos 100 km, certo de que nenhum vento mais iria me derrotar, saí confiante.  Fui seguindo no rumo de Natal. Num povoado chamado Santa Maria, entrei à esquerda e fui  na direção de Cerá-Mirim. Tendo saído da BR, o movimento de carros ficou quase zero e ficou do jeito que eu gosto: eu e a estrada. Uma chuva de 15 minutos   caiu só  para  que  eu  a  registrasse.  Passei  em  Ceará-Mirim  ainda antes do meio-dia,  providenciei água e  alguma coisa para comer,  atravessei  a  cidade.
Depois daquela  descida  na  rua  que  sai  para  Touros-RN,  passei  por  cima  dos  trilhos,  uma  ponte de pedra e uma usina de cana,  andei  uns 2 ou 3 km e peguei à direita,  no  rumo  do  litoral. A estrada  era  plana  e  as  mudanças  de  direção  tornavam  a  resistência  do  vento   mais  tolerável.  Alguns  povoados  aqui  e  ali,   até  que, por  fim,  após  uma  mudança  de  direção   de  90  graus  à  esquerda  após  um  último  povoado,  andei  alguns  km  com  estrada  calçada  com  paralelepípedos,  sendo  que  a  maior  parte  foi  por  caminhos  alternativos   às  margens,  para  a bicicleta  pular  menos.
Atravessei  a  BR-101,  que  liga  Natal  a  Touros,  e,  mais  uns 4 ou 5 km,  entrei  em  Muriú, destino  final  da  viagem,  onde  me  hospedei  na  casa  do  Pastor  José Aprígio,  um homem cuja  biografia  daria  uma  obra  e  tanto.
Depois  de  alguns  dias  descansando  e  desfrutando  de  muita  mordomia,  voltei  para  casa  de  ônibus,  sendo  que  fiquei  de  voltar, também  de  ônibus,  no  próximo  ano  para  fazer o  retorno  de  bicicleta para  Belém.
Depois  que  voltei  a   Belém,  apareceu uma tal de  gripe  recolhida  e  a  distensão na virilha  só  ficou  curada  no  final  de  abril.

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