Décimo segundo dia.
Fui no rumo de
Aracati. Próximo da entrada para
Beberibe, o vento
começou a incomodar
e só mudou
quando passei na
entrada da praia
do Fortim, já
no final do
dia. Neste dia
vi uma usina
de sal, salinas
à beira da
estrada, uma fábrica
de rapaduras. Vi
também muitos restaurantes\lanchonetes para
turistas. Pedi algo
para comer numa
delas. Todos os
que trabalhavam lá
pareciam adolescentes. Mandaram falar com o gerente. Um
menino. Ele mandou
preparar um lanche
com tudo de
bom, entregou na
minha mão e
disse, com incrível
educação, para eu
levar e comer
mais adiante, pois a
empresa não gosta
que mendigos permaneçam
nas dependências... Agradeci pela
merenda e pelo
atendimento. Mais adiante, numa
outra, pedi também,
e fui igualmente
bem tratado, já
com pessoal mais
adulto, e com
menos formalidades.
À noitinha, na
entrada de Aracati,
fui ao borracheiro
e pedi a
ele que colocasse
o pneu reserva
que eu tinha
levado, pois o
traseiro, embora novo,
estava com um
calombinho e eu sabia
que ele duraria
menos de 400 km. Deixei o pneu com calombo
lá na borracharia,
agradeci , e passei por
Aracati pela estrada
que circunda a
cidade e fui
dormir num posto
de gasolina que
fica na entrada
para Canoa Quebrada.
Havia uns carros
com grandes caixas
de som fazendo um
barulhão no posto, o
que me deixou
muito chateado, mas
um andarilho cansado
sempre consegue dormir.
Décimo terceiro dia. O motorista da carreta onde eu estava com a
minha rede pendurada estava batendo os pneus quando acordei e levantei. Agradeci, tomei
café na lanchonete e entrei na estrada no rumo de Mossoró. Estrada
sem subidas mais fortes,
acostamento ruim, mas
com movimento até
calmo. Vento contra vindo
da esquerda. Muitos cajueiros, algumas perfurações (parecia de
petróleo). Na entrada para
Icapuí , parei para
fazer uma merenda
num restaurante, onde
a dona me
conhecia desde 1987,
quando ela serviu
café para eu
a minha mulher;
naquela oportunidade estávamos
em lua-de-mel indo
de bicicleta para
o Rio Grande
do Sul. Em
1998 ou 1999, mais de dez
anos depois, numa
outra vez que
passei por lá,
só fui no
orelhão, do lado
de fora, e ela veio
lá de dentro
conversar comigo por ter
reconhecido a minha
voz....
Seguindo viagem,
desconfiei que o pneu traseiro
estivesse furado, mas continuei. Passei a fronteira com o RN
e o vento
começou a ficar mais forte.
Num trecho de reta, faltando uns 15 km para Mossoró,
o pneu traseiro esvaziou. Parei para trocar a câmara. Não faço remendos.
Prefiro levar câmaras de reserva, uma para cada 1000 km. Péssimo mecânico,
gastei mais de 40 minutos só para encontrar e tirar do pneu aquele aramezinho
fino como um cabelo. Isto foi naquele
sol de meio-dia, pois no trecho só havia
aquele mato nordestino sem folhas e cheio de espinhos.... Depois, em Mossoró,
ainda fui a uma oficina de bicicletas, mas não lembro o
que fiz lá. Pedi ¨merenda¨ num
mercadinho e numa
padaria, atravessei a cidade
e pedalei até o final do dia, quando entrei no posto
de gasolina ¨Zé da Volta¨, me sentindo mais cansado do que nos dias anteriores. Ganhei um PF e pendurei a rede para dormir
entre duas árvores.
Décimo quarto dia. Saí do posto
com vento a
favor, mas, pouco
adiante, quando fiz uma curva
para a esquerda acabou a
moleza. À medida que eu me
aproximava de Açu, as subidas pareciam ficar mais difíceis. Segui andando
preguiçosamente, cansado como
nunca.Num posto de gasolina uns 5 km antes de Açu, parei um bocado de
tempo para descansar e comer. Não lembro o que comi. Continuei,
subida após subida, e acabei entrando em Angicos. Fui à casa de
Manoel João e Dona Severina, onde já estive todas as vezes em que passei por
Angicos (umas 5 ou 6). Colocamos a conversa em dia. Foi um descanso providencial. Após o jantar,
fui dormir cedo.
Décimo quinto dia. Pão, leite, cuscuz, ovos. Bem alimentado, me despedi do pessoal e saí de Angicos lá
pelas 8 da manhã, mais tarde do que o costume. Em condições normais, havia
possibilidade de chegar até o destino final, Muriú, uma praia localizada uns 40
km ao norte de Natal. Neste dia fui
vencido pelo vento. Para chegar até um posto de gasolina perto de Lajes, mais
ou menos 40 km de distância, gastei mais
de cinco horas. O que ficou bem memorizado no trecho foi a vista daquele
estranho e bem redondo morro, que
recentemente, soube que é um vulcão extinto. No posto fiquei descansando até as 15:30 e
depois percorri mais 28 km em 3 horas,
quando cheguei ao próximo posto de
gasolina, em Caiçara do Rio dos Ventos.
E, como se tanto vento não bastasse, o único lugar que encontrei para
pendurar a rede foi entre duas torres metálicas que distavam 10 metros uma da
outra. Usei as duas cordas que levava e
a rede ficou a 10 cm do chão. O vento não sossegou, nem por um segundo, a noite
inteira. A rede, amarrada, queria sair
voando como uma pipa. Mesmo assim, passando um pouco de frio, consegui dormir
razoavelmente.
Décimo sexto dia.
Restando mais ou menos 100 km, certo de que nenhum vento mais iria me derrotar,
saí confiante. Fui seguindo no rumo de
Natal. Num povoado chamado Santa Maria, entrei à esquerda e fui na direção de Cerá-Mirim. Tendo saído da BR,
o movimento de carros ficou quase zero e ficou do jeito que eu gosto: eu e a
estrada. Uma chuva de 15 minutos caiu
só para
que eu a
registrasse. Passei em
Ceará-Mirim ainda antes do
meio-dia, providenciei água e alguma coisa para comer, atravessei
a cidade.
Depois daquela descida
na rua que
sai para Touros-RN,
passei por cima
dos trilhos, uma
ponte de pedra e uma usina de cana,
andei uns 2 ou 3 km e peguei à
direita, no rumo
do litoral. A estrada era
plana e as
mudanças de direção
tornavam a resistência
do vento mais
tolerável. Alguns povoados
aqui e ali,
até que, por fim,
após uma mudança
de direção de
90 graus à
esquerda após um
último povoado, andei
alguns km com
estrada calçada com
paralelepípedos, sendo que a maior
parte foi por
caminhos alternativos às
margens, para a bicicleta
pular menos.
Atravessei a
BR-101, que liga
Natal a Touros,
e, mais uns 4 ou 5 km, entrei
em Muriú, destino final
da viagem, onde
me hospedei na
casa do Pastor
José Aprígio, um homem cuja biografia
daria uma obra
e tanto.
Depois de
alguns dias descansando
e desfrutando de
muita mordomia, voltei
para casa de
ônibus, sendo que
fiquei de voltar, também de
ônibus, no próximo
ano para fazer o
retorno de bicicleta para Belém.
Depois que
voltei a Belém,
apareceu uma tal de gripe recolhida
e a distensão na virilha só
ficou curada no
final de abril.
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