sexta-feira, 27 de junho de 2014

Rio Guamá X Rio Capim


O Rio Guamá, olhando no mapa, nasce perto de Garrafão do Norte e se junta ao Rio Capim próximo a São Domingos do Capim.
O Rio Capim, por sua vez, nasce perto de Açailândia, no Maranhão, é muito mais longo  e tem muito mais água que o Guamá.

Já comentei isto com muitas pessoas, mas ninguém sabe a razão de o Rio Guamá, por ser o menor, não ser afluente do Capim.

Passeio Santana do Capim


Em fevereiro de 1996 ou 1997, resolvi dar uma volta pras bandas de São Domingos do Capim. Num sábado, depois de pedalar uns 40 km, pouco antes de Americano, parei no comércio ¨Gwel¨ para fazer um lanche. Biscoito com refrigerante. Na saída, ao saber que meu passeio duraria dois ou três dias, o comerciante deu um pacote de mais ou menos 1 kg de fritas, sendo que com isto me alimentei durante quase todo o dia. Depois de passar por Castanhal, mais uns 15 km, entrei para a direita, caminho novo para a minha bicicleta. Da BR até São Domingos do Capim eram 45 km. Asfalto, movimento de 1 veículo a cada 5\10 minutos, nada urbano no caminho, do jeito que eu gosto. No último trecho, o asfalto acabou e,  no final de uma longa e suave descida de piçarra, cheguei à beira do rio. Travessia de balsa até a cidade. Lá na cidade, ainda perto da balsa, fiz um lanche servido por uma senhora que me disse que era mãe de um funcionário da Casa São Domingos, uma loja de armarinhos que eu costumava freqüentar em Belém. Perguntei a ela sobre a estrada a partir de lá e ela informou que eu poderia seguir para um povoado a 26 km (Perseverança), e de lá poderia seguir para a rodovia Belém-Brasília. E lá fui eu. Estrada de piçarra, subidas suaves, movimento zero. Lá no povoado, num comércio que ficava na esquina principal, o homem falou que eu poderia ir para Mãe-do-Rio  ou  Santana do Capim, e que a distância para qualquer um destes lugares era também 26 km. Escolhi Santana do Capim, uma vez que Mãe-do-Rio eu já conhecia. Pedalei pouco menos de 2 horas, e cheguei. Um pequeno povoado à beira de um largo Rio Capim. Comprei alguma coisa para comer, subi na balsa e pendurei a rede numa grande casa de madeira que ficava à direita de quem desce da balsa.
No outro dia, faltando 15 minutos para clarear,saí no rumo de Vila Concórdia, 24 km. Passei por uns 2 ou 3 trechos de atoleiro. Antes das 8 horas eu já estava numa padaria em Vila Concórdia, merendando e conversando com pessoal que se dizia admirado da minha disposição. De Vila Concórdia até a entrada para Bujaru eram 11 km. Neste trecho, asfaltado, comecei a sentir dor de barriga e por duas vezes saí da estrada com diarréia. Comecei a suar gelado e ter de sair da estrada de meia em meia hora. Acho que estraguei o fígado com aquele pacotão de fritas que ganhei. E o pior, cada vez que eu saía da estrada por causa da diarreia, só encontrava lugares cheios de formigas. Mesmo em condições desfavoráveis como uma fraqueza com febre, sou muito  persistente. Continuei andando do jeito que era possível. Só os 11 km a partir de Vila Concórdia eram asfaltados, e o resto era piçarra.

 Na estrada para Bujaru, no km 42, sendo novamente assediado pela tal diarreia, vi uma mesa de bilharito e um comércio e fui direto para lá. Encostei a bicicleta e logo declarei a minha situação, sendo que o comerciante indicou o WC a poucos metros dali, para onde segui imediatamente e fiquei aliviado por ter me aguentado. O papel higiênico, aliás, era revista de mulher pelada. Depois de aliviado, no comércio, perguntei se  tinha um Colestase ou Imosec, ao que ele respondeu que tinha só Elixir Paregórico. Comprei o vidrinho e um refrigerante, pinguei 40 gotas e tomei. Fiquei lá conversando uma meia hora e comecei a me sentir melhor. Tomei mais 40 gotas, fiquei muito muito muito agradecido e segui no rumo de Bujaru, onde cheguei no meio da tarde. Enquanto esperava a balsa para atravessar o rio Guamá, fiz um lanche. Atravessando o rio, mais 38 km de asfalto até Santa Izabel, onde cheguei uns 10 minutos depois de anoitecer. Naquela grande praça que fica no centro, fiz mais um lanche e saí no rumo de casa, mais 32 km, pelo acostamento, devagar, aproveitando a luz dos muitos carros que voltavam para Belém no final de domingo. Após ter andado uns 2 km, na saída de Santa Izabel, uma menina de uns 12\13 anos, que caminhava no acostamento, pediu uma carona. Magrinha, sentou-se no tubo superior. Falei a ela para dizer quando  quisesse descer e ela disse ¨tá¨. Depois de andar com ela por uns 6 km, perguntei onde ela queria descer e ela respondeu que iria para Icoaraci e que pegaria outra carona no lugar onde eu a deixasse. Indaguei se ela não tinha medo de um estranho como eu querer mexer com ela e ela respondeu ¨pode mexer porque eu já sou mulher..¨. Icoaraci está aproximadamente a 50 km de Santa Izabel. Chegando em Marituba, já a 9 km de casa e a uns 30 da casa dela, deixei-a numa parada de ônibus e dei dinheiro para pagar passagem até Icoaraci. Cheguei em casa depois das 21 horas.

domingo, 8 de junho de 2014

Viagem Belém-Parnaíba-Natal (parte 3 de 3)

Décimo segundo dia. Fui  no rumo  de  Aracati.  Próximo da entrada para Beberibe,  o  vento  começou  a   incomodar  e  só  mudou  quando  passei  na  entrada  da  praia  do  Fortim,  já  no  final  do  dia.  Neste  dia  vi  uma  usina  de  sal,  salinas  à  beira  da  estrada,  uma  fábrica  de  rapaduras.  Vi  também  muitos  restaurantes\lanchonetes  para  turistas.  Pedi  algo  para  comer  numa  delas.  Todos  os  que  trabalhavam  lá  pareciam  adolescentes.  Mandaram falar com  o  gerente.  Um  menino.  Ele  mandou  preparar  um  lanche  com  tudo  de  bom,  entregou  na  minha  mão  e  disse, com incrível  educação,  para  eu  levar  e  comer  mais  adiante, pois  a  empresa  não  gosta  que  mendigos  permaneçam  nas  dependências... Agradeci  pela  merenda  e   pelo  atendimento.  Mais adiante,  numa  outra,  pedi  também,  e  fui  igualmente  bem  tratado,  já  com  pessoal  mais  adulto,  e  com  menos  formalidades.
À noitinha,  na  entrada  de  Aracati,  fui  ao  borracheiro  e  pedi  a  ele  que  colocasse  o  pneu  reserva  que  eu  tinha  levado,  pois  o  traseiro,  embora  novo,  estava  com  um  calombinho e   eu  sabia  que  ele  duraria  menos  de  400 km. Deixei   o  pneu  com  calombo  lá  na  borracharia,  agradeci , e  passei  por  Aracati  pela  estrada  que  circunda  a  cidade  e  fui  dormir  num   posto  de  gasolina  que  fica  na  entrada  para  Canoa  Quebrada.  Havia  uns  carros  com  grandes  caixas  de som   fazendo  um  barulhão  no posto,  o  que  me  deixou  muito  chateado,  mas  um  andarilho  cansado  sempre  consegue  dormir.
Décimo terceiro dia.  O motorista da carreta onde eu estava com a minha rede pendurada estava batendo os  pneus  quando acordei e levantei. Agradeci, tomei café na lanchonete e entrei na estrada no rumo de Mossoró.  Estrada  sem subidas  mais  fortes,  acostamento  ruim,  mas  com  movimento  até  calmo.  Vento contra   vindo  da esquerda.  Muitos   cajueiros, algumas  perfurações (parecia  de  petróleo). Na  entrada  para  Icapuí ,  parei  para  fazer  uma  merenda  num  restaurante,  onde  a  dona  me  conhecia  desde  1987,  quando  ela  serviu  café  para  eu  a  minha  mulher;  naquela  oportunidade  estávamos  em  lua-de-mel  indo  de  bicicleta  para  o  Rio  Grande  do  Sul.  Em  1998 ou 1999, mais  de  dez  anos  depois,  numa  outra  vez  que  passei  por  lá,  só  fui  no  orelhão,  do  lado  de  fora,  e  ela  veio  lá  de  dentro  conversar  comigo  por ter  reconhecido  a  minha  voz....
Seguindo  viagem,  desconfiei  que o pneu traseiro estivesse furado,  mas continuei.  Passei a fronteira  com o RN  e  o  vento  começou a ficar mais forte.  Num  trecho  de reta, faltando uns 15 km para  Mossoró,  o pneu traseiro esvaziou. Parei para trocar a câmara. Não faço remendos. Prefiro levar câmaras de reserva, uma para cada 1000 km. Péssimo mecânico, gastei mais de 40 minutos só para encontrar e tirar do pneu aquele aramezinho fino como um cabelo.  Isto foi naquele sol  de meio-dia, pois no trecho só havia aquele mato nordestino sem folhas e cheio de espinhos.... Depois, em Mossoró, ainda  fui  a uma oficina de bicicletas, mas não lembro o que fiz lá. Pedi ¨merenda¨ num  mercadinho  e  numa  padaria, atravessei a cidade  e  pedalei   até o final do dia, quando entrei no posto de gasolina ¨Zé da Volta¨, me sentindo mais cansado do que nos dias anteriores.  Ganhei um PF e pendurei a rede para dormir entre duas árvores.
Décimo quarto dia.  Saí do posto  com  vento  a  favor,  mas,  pouco  adiante,  quando fiz uma curva para a esquerda  acabou  a  moleza.  À medida que eu me aproximava de Açu, as subidas pareciam ficar mais difíceis.  Segui  andando  preguiçosamente,  cansado  como  nunca.Num posto de gasolina uns 5 km antes de Açu, parei um bocado de tempo para descansar e comer. Não lembro o que comi.  Continuei,  subida após  subida,  e acabei entrando em Angicos. Fui à casa de Manoel João e Dona Severina, onde já estive todas as vezes em que passei por Angicos (umas 5 ou 6). Colocamos a conversa em dia.  Foi um descanso providencial. Após o jantar, fui dormir cedo.
Décimo quinto dia.  Pão, leite, cuscuz, ovos. Bem alimentado,  me despedi do pessoal e saí de Angicos lá pelas 8 da manhã, mais tarde do que o costume. Em condições normais, havia possibilidade de chegar até o destino final, Muriú, uma praia localizada uns 40 km ao norte de Natal.  Neste dia fui vencido pelo vento. Para chegar até um posto de gasolina perto de Lajes, mais ou menos 40 km de  distância, gastei mais de cinco horas. O que ficou bem memorizado no trecho foi a vista daquele estranho  e bem redondo morro, que recentemente, soube que é um vulcão extinto.  No posto fiquei descansando até as 15:30 e depois  percorri mais 28 km em 3 horas, quando cheguei ao  próximo posto de gasolina, em Caiçara do Rio dos Ventos.  E, como se tanto vento não bastasse, o único lugar que encontrei para pendurar a rede foi entre duas torres metálicas que distavam 10 metros uma da outra. Usei as duas cordas  que levava e a rede ficou a 10 cm do chão. O vento não sossegou, nem por um segundo, a noite inteira.  A rede, amarrada, queria sair voando como uma pipa. Mesmo assim, passando um pouco de frio, consegui dormir razoavelmente.
Décimo sexto dia. Restando mais ou menos 100 km, certo de que nenhum vento mais iria me derrotar, saí confiante.  Fui seguindo no rumo de Natal. Num povoado chamado Santa Maria, entrei à esquerda e fui  na direção de Cerá-Mirim. Tendo saído da BR, o movimento de carros ficou quase zero e ficou do jeito que eu gosto: eu e a estrada. Uma chuva de 15 minutos   caiu só  para  que  eu  a  registrasse.  Passei  em  Ceará-Mirim  ainda antes do meio-dia,  providenciei água e  alguma coisa para comer,  atravessei  a  cidade.
Depois daquela  descida  na  rua  que  sai  para  Touros-RN,  passei  por  cima  dos  trilhos,  uma  ponte de pedra e uma usina de cana,  andei  uns 2 ou 3 km e peguei à direita,  no  rumo  do  litoral. A estrada  era  plana  e  as  mudanças  de  direção  tornavam  a  resistência  do  vento   mais  tolerável.  Alguns  povoados  aqui  e  ali,   até  que, por  fim,  após  uma  mudança  de  direção   de  90  graus  à  esquerda  após  um  último  povoado,  andei  alguns  km  com  estrada  calçada  com  paralelepípedos,  sendo  que  a  maior  parte  foi  por  caminhos  alternativos   às  margens,  para  a bicicleta  pular  menos.
Atravessei  a  BR-101,  que  liga  Natal  a  Touros,  e,  mais  uns 4 ou 5 km,  entrei  em  Muriú, destino  final  da  viagem,  onde  me  hospedei  na  casa  do  Pastor  José Aprígio,  um homem cuja  biografia  daria  uma  obra  e  tanto.
Depois  de  alguns  dias  descansando  e  desfrutando  de  muita  mordomia,  voltei  para  casa  de  ônibus,  sendo  que  fiquei  de  voltar, também  de  ônibus,  no  próximo  ano  para  fazer o  retorno  de  bicicleta para  Belém.
Depois  que  voltei  a   Belém,  apareceu uma tal de  gripe  recolhida  e  a  distensão na virilha  só  ficou  curada  no  final  de  abril.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Viagem Belém-Parnaíba-Natal (parte 2 de 3)

No  quinto  dia,  de  Arari ,  passando  por  Miranda,  entroncamento,  Itapecuru,  João Leite  e  Vargem  Grande,  com  vento  contra,  fraqueza,  virilha   incomodando,  me  superei  e  cheguei  até  a  Placa,  um  povoado  de  meia  dúzia  de  casas,  bem  na  entrada  para  Urbano  Santos,  uns   40  km  antes  de  Chapadinha.  Num  barraco  de  chão de areia,  paredes  de  barro  e  telhado de  palha,  uns 5 m de largura  por  uns  15  de  comprimento,  conversei  com  um  pessoal  que  estava  jogando  dominó  e  pendurei  a  rede  lá  no  fundo.  Quando  acordei,  meia  noite  e  tanto,  estavam,  além  de  mim,   mais  3  pessoas  deitados  em  redes,  esperando  para  pegar  condução   ao  amanhecer.
No  sexto  dia,  sem  ter  o  que   comer   nem  onde  comprar,  saí  no  rumo  de  Chapadinha,  ainda  antes  de  clarear,  e  num  comércio,  a  uns  4  km  antes  da  cidade,  pedi  algo  para  comer.  Me  deram  ovo  frito  com  farinha;  senti  as  minhas  baterias  carregarem  rapidamente.  Fiquei  impressionado.  Depois  de  subir  dois  morrinhos,  fui  a  um  posto  de  gasolina ,  fiz  mais  uma  merenda. 
Seguindo,  a  estrada  ficou  mais  suave  e  o  vento  acalmou.  Passei  Anapuru,  Brejo,  Santa Quitéria.  De Santa Quitéria  para  São  Bernardo,  uns  morrinhos  bem  difíceis.  Cada  um  que  subia, de  coroa  28  e  fazendo  zigue-zague,  eu  ficava  ofegante.  Quando  entrei  na  cidade, ao  descer  o  último  morro,  sentei  numa  calçada  alta,  ao  lado  da  Delegacia  de  Polícia,  e  contei  o  tempo  até   ficar   com  a   respiração  normal:  14 minutos!
Ganhei  dois  pedações  de  bolo  + café com leite  numa  casa  do  outro  lado  da rua.  Me  senti  animado  e  andei  mais  uns  30  km  até  um  posto  de  gasolina (Mamorana),  onde  ganhei  janta,  tomei  banho,  e  pendurei  a  rede  para  dormir.  Fui  tão  bem  tratado  que  quase   encabulei.
No sétimo  dia,  fui  até  Parnaíba.  Dei  umas  voltas  pela  cidade,  procurei  por  um  tal  de  Carlinhos  que  era  primo  de  um  outro  Carlos,  de  Belém.  Lá  pelas  5  da  tarde,  já  anoitecendo,  numa  praça  no  centro,  conversando  com  uns  motoristas  de táxi,  havia  uns insetos  dando  umas   ¨mordidas¨ dolorosas.  Perguntei  o  que  era  e  disseram  que  eram muriçocas.  Ao  perguntarem  se  não  havia  em  Belém,  respondi  que   eu  nunca  tinha  encontrado  em  nenhum  dos  quase  20  Estados  onde  já  passei  de  bicicleta.
Os  taxistas  conheciam  o  Carlinhos  que  eu  procurava  e  me  ensinaram  onde  ele morava, próximo  a  uma  lanchonete  onde  todos  o  conheciam.  Já  no  escuro,  achei   a  casa  que  o  pessoal  da  lanchonete  indicou.  Lá  chegando,  haviam  uma  senhora  e  uma  moça, e  disseram  que  o  Carlinhos   estava  morando  lá  na  praia  do  Coqueiro,  a  uns  10  km.
Deixei  lá  o  recado  do  outro  Carlos,  e  sem  ter  onde  dormir,  fui  para  a  BR  e voltei  6  km  até  um  posto  de  gasolina,  onde  costumo  me  sentir  em  casa.  Dormi  debaixo  de  uma carreta,  onde  não  havia  muriçocas,  só  mariposas  que  não  mordiam,  só  gostavam  de  luz...  (dois  anos  depois,  numa  outra  viagem,  em  Tubarão=SC,  encontrei  as  tais  muriçocas  e  descobri  que  elas  não  respeitam  repelente.)
No oitavo  dia,   saí  do  posto  e  encontrei  muitos  ciclistas  no  acostamento  durante  os  6  km  até  Parnaíba (acho  que  estavam  indo  para  o  trabalho).  Depois,  segui  no  rumo  de  Chaval-CE.  A  estrada  ficou  mais  estreita,  com  alguns  trechos  esburacados,  mas  nada  que  dificultasse  uma  bicicleta  andando  a  impressionantes  15 km\hora...  Num  povoado  onde  havia  uma  saída  para  Luís  Correa,  pedi  algo  para  comer  numa  casa.  Não  lembro  o  que  ganhei,  mas  fui  convidado  insistentemente  para  ficar  lá  por  uns  dias,  pois  eles   costumavam  hospedar  viajantes  e  gostavam  muito  disto.  Expliquei  que  minha  viagem  tinha   um  tempo  limitado ,  agradeci  a  oferta  e  segui.  Quando  passei  a  fronteira  Piauí\Ceará,  o   asfalto,  mesmo  sem  buracos,  ficou  bem  aspero.  Asfalto  primário, informava  uma  placa.  Chegando  em  Chaval,  um  cidade  pequena,  numa  rua  com  calçamento  de  pedras  irregulares,  pedi  algo   para  comer  numa  residência.  Uma  senhora  idosa  e  seu  neto  me  serviram  um  lanche  e  disseram  admirarem  a  minha  coragem  e  se  ofereceram  para  me  ajudar  em  mais  alguma  coisa  se  necessário.  Era  muita  mordomia  para  o  meu  padrão.  Seguindo  viagem,  o  vento  começou  a  se  opor  com  mais  intensidade.  Em  Barroquinha,  já  na  saída,  entrei  num  restaurante  à  beira  da  estrada  e  pedi  para  encherem  minha  garrafa  com  água. 
Saindo  da  cidadezinha,  fazendo  muita  força  contra  o  vento, andei  uns  2  km  em  10  minutos.  Um  carro  encostou  ao  meu  lado  e  um  casal  me  convidou  para  voltar   e   almoçar  lá  no  restaurante.  Eles  estavam  lá  numa  mesa  e  ficaram  curiosos.Aceitei  o  convite  e  voltei.  Comecei  a  comer.  Primeiro  a  salada.  A  mulher  perguntou  se  eu  ia  comer  só  salada e  eu  respondi: ¨na  minha  barriga  tem  uma  gaveta  para  cada  tipo  de  comida...¨,  ao  que   ela  respondeu: ¨na  minha  também,  mas  eu  como  tudo  misturado  e  um separador  coloca  cada  tipo  na  sua  gaveta  correspondente...¨.  Era  um  casal  de  paulistas,  trabalhavam  com  informática,  e  estavam  viajando  de  férias.  Muito  bem  humorados,  o   homem  disse  que,  no  trecho  de  Teresina  até  Piripiri,  havia  tantos  buracos  no  leito  da  pista  que  havia  fila  de  espera  dos  dois  lados.
Depois  do  almoço,   retornei  à  minha  luta  contra  o  vento.  Estava  andando,  com  dificuldade,  a  10 km\hora,  tal  a  força  do  vento.  Já  faltando  uns  10  km  para  a  entrada  de  Camocim,  encontrei  um  rapaz  de  uns  25  anos  entrando no  acostamento  carregando  3  sacos  de  carvão  numa  bicicleta  Monark  barra  circular.  Conversei  com  ele.  Disse  que  o  carvão  era  o  ganha-pão  dele.  Vinha cedo de  Camocim  e  queimava  madeira  todos  os  dias para  fazer  2  ou  3  sacos  cheios  para  vender  aos  comerciantes.  A  renda,  ínfima,  era  para  sobreviver  com  a  mulher  e  dois  filhos  pequenos.  Na  entrada  para  Camocim  nos  despedi mos.  A  estrada  mudou  de  direção,  90 graus  à  direita,  e  os  24  km  até  Granja,  agora  a  favor  do  vento,   foram  percorridos  em  52  minutos.
Bem  na  entrada  da  cidade,  um  posto  de  gasolina.  Num  caminhão  pequeno  que  não  iria  sair  naquela  noite,  pendurei  a  rede  e  pernoitei. 
No  nono dia, lá  pelas  5  da  manhã,  tive  de  levantar  às  pressas  e  recolher  a  rede.  Havia  começado  a  chover  e  água  estava  escorrendo  pelas  frestas  da  carroceria (sem  carga). Me  serviram  um  lanche  e  segui  viagem.  Atravessei  a  cidade  de  Granja.  As  ruas  eram  calçadas  com  aquelas  pedras  irregulares.  Passei  numa  ponte  e  saí  por  uma   estrada  de   piçarra  bem  ruim,  sendo  que  em  algumas  partes    andei  por  caminhos  alternativos  ao  lado  da  estrada.  Mais  uns  poucos  km, entrei  num  povoado  e  perguntei  qual  o  caminho  para  Marco,  a  cidade  onde  eu  pretendia  chegar  naquele  dia. 
Me  disseram  que  o  mais  curto  era  ¨por  dentro¨,  e  indicaram  seguir  reto  no  final   daquela  rua  à  direita.  E  lá  fui  eu.  Já  na  saída  do  povoado,  uns  500m  de  areal.  E  assim  foi  durante  quase  todo  o dia.  Alguns  trechos  de  piçarra,  maioria  trechos  de  areal.  Muitas  encruzilhadas,  nenhuma  placa,  às  vezes  ninguém  para  perguntar ¨pra  que  lado...¨.  Nas  horas  próximas  ao  meio-dia,  a  areia  clara  ofuscava  a  vista  e  fritava  os  pés. Lembro  que  passei  por  cima  de  uma  pequena  ponte  de  pedra  do  tempo  do  Império,  e  também  por  dentro  de  uma  fazenda,  sendo  que  fui  orientado  a  fechar  as  duas  porteiras  pelas  quais  eu  passaria. 
Depois  das  duas  porteiras,  encontrei  uma  casinha  de  madeira.  O  homem  da  casa  me  ensinou  o  caminho  até   a  próxima  casa,  sendo  que  tomei  nota  dos  detalhes  para  não  me  perder.  Ele  disse  que  depois  da  próxima  casa  eu  não  encontraria  mais  ninguém  para  ensinar  o  caminho!  Percorri  o  caminho  e  vi  a  casa  que  indicada  no  alto  de  um  morrinho.  Subi  lá  empurrando  a  bicicleta.  Conversei  um  pouco  com  o pessoal  da  casa. O  homem  disse  que  pescava  para  viver,  num  açude  ali  perto,  e que,  embora  o  mar  ficasse  perto  da  casa  dele,  nunca  precisou  e  nunca  teve  vontade  de  ir  lá.  Perguntou  se  eu  queria  comer  alguma  coisa  e  eu  disse  que  sim.  A  mulher  dele  trouxe  dois  ovos  cozidos.  Fui  quebrar  um  deles,  mas  estava  mais  duro  que  o  normal.  O  homem  disse  que  era  ovo   de  capote , e  que  a  casca  é  mais  resistente  que  o  ovo  de  galinha.   Após  comer  os  ovos  e  encher  a  garrafa  de  água,  ele  me   ensinou  o  caminho  até  o  lugar  onde  eu  deveria  subir  um  barranco  e  entrar  na  BR.  A  BR era  uma  estrada  que   ligaria  a  cidade  do  Marco  à   estrada  de  Camocim,  mas,  diante  das  dificuldades  em  uma  região  de  baixada,  a  obra  foi  abandonada.
Chegando  na  tal  BR,  uma  estrada  de  piçarra,  andei  mais  uns  20  km  e  cheguei  a  Marco  na  boca  da  noite.  Peguei  a  esquerda   e  entrei  num  posto  de  gasolina  dentro  da  cidade.  Perguntei  se  podia  pernoitar  por  lá.  Um  funcionário  do  posto  me  conduziu  à  sua  residência,  nos  fundos  do  posto.  A  mulher  dele  preparou  um  prato  de  comida.  Pendurei  a  rede  na  cozinha  mesmo  e  lá  dormi. 
Décimo  dia.  Tomamos  café  bem   cedinho.  O  funcionário  do  posto  foi  trabalhar  e  eu  segui  viagem.  Logo  senti  a  bicicleta  leve  e  percebi  que  o  vento  estava  a  favor,  meio em  diagonal.  Asfalto  bom,  pouquíssimo  movimento.  Na  entrada de  Amontada,  antes  daquela  subida,  pedi  algo  para  comer  num  comércio  e  ganhei  um  bocado  de  bananas.  Estavam  muito  maduras.  Eram  muitas  e  eu  não  poderia  levar  adiante  pois  virariam  mingau.  Diante  da  insistência  do comerciante,  levei-as  até  o  alto  da  subida,  comi  o  máximo  que  pude,  umas  15,  e  dei   o  restante  para  dois  meninos  que  estavam  passando  por  ali.
Depois,  já  pela  tarde,  passei  em  Itapipoca,  uma  cidade  maior  que  as  outras. ¨A Cidade dos Três Climas¨.  Quase  na  saída,  ganhei  um  pacote  de  bolachas.  Seguindo  viagem,  passei  pela  entrada  para  Uruburetama  e,  mais  adiante,  parei  num  posto  da  polícia  rodoviária.  Conversei  um  pouco  com  os  guardas  que  ficaram  curiosos  e  ganhei  um  litro  de  leite  longa vida.  Já  escurecendo,  atravessei  ainda  Umirim  e,  lá  na  saída,  dormi  ao  lado  de  um  restaurante  onde  mais  de  20  pessoas  dormiram  também com suas redes  penduradas  num  espaço  aparentemente  destinado  para  ser  este  dormitório  ¨coletivo¨.

Décimo  primeiro dia.  Assim  que  pude  ver  o  chão,  segui  viagem.  Passei  por  São  Luís  do  Curu,  Croatá,  Primavera.   Só  parei  para  merendas  mínimas  e  rápidas.  Novamente   enfrentei  um  forte  vento  contrário  até  a  entrada  de  Fortaleza,  no  km  15.  Do  15,  onde  é  o  cruzamento  com  a  BR  que  vem  de  Brasília  (BR 020),  evitei  o  trânsito  mais  intenso  da  cidade  e  segui  pelo  anel  viário,  saindo  em  Messejana. Depois,  Eusébio,  e,  na  saída   de  Aquiraz,  parei  num  posto  de  gasolina,  onde  tratei  de  me  alimentar  e  pendurar  a   rede  para  dormir.

domingo, 1 de junho de 2014

Viagem Belém-Parnaíba-Natal (parte 1 de 3)

Esta  foi  uma  viagem  mais  difícil  que  o  planejado.  Eu  queria  fazer  o  percurso  de  2100 km  em  14  dias  e   voltar   de  ônibus.  Janeiro\2001.  Faltando  poucos  dias  para  partir,  eu  estava  me  sentindo  meio  fraco.  Não  me  sentia  cansado,  mas  sem  aquela  força  de  costume,  que  por  si  só  já  é  pouca.  Comentei  com  alguns  clientes,  e,  faltando  dois  dias para  a  viagem,  um  deles,  ¨seu Natan¨,  disse,  com  todas  as  letras:  ameba....  Disse  que  nem  precisava  fazer  exame  nem  consultar  médico;  era  só  tomar  remédio.  Foi  o  que  fiz, só  que  as  amebas  morreram  mas  não  tive  tempo  de  recuperar  aquela  força.

Mesmo assim,  ajeitei  uma  caloi  barraforte  que  um  amigo  achou  enferrujando  num  terreno  baldio.  Tempo  de  chuva.  No  primeiro  dia, fui  até  Capanema,  mais  ou  menos  150 km,  o  desempenho  de  costume.  No  segundo, mais  uns  180 km,  até  Cajueiro,  um  povoado  a  12  km  antes  de  Maracaçumé-MA,  na  casa  do  Zé  Fortino (parada obrigatória).
Me  disseram  que  a  BR  de  Zé  Doca  até  Santa  Inês  estava  muito  ruim  e  que  muitos motoristas  estavam  indo  por  São  Bento,  sendo  que  adotei  também   esta  alternativa, pois  a  distância  era  a  mesma  e   seria  um  trecho  novo  para  mim,  pois  a  BR-3l6  até  Teresina já  era  minha  conhecida  n vezes.
No  terceiro  dia,  de  Cajueiro,  fui  até  Pinheiro,  onde  pernoitei  num  hotel  (Central),  que  era  de  um irmão  de  uma  cliente  minha.  No  início  da  noite,  ao  tomar  banho,  me  vi  num  espelho,  e  tive  uma  surpresa:  apesar  de  ter  andado  3  dias  praticamente  sob  chuva  ininterrupta,  eu  estava  ¨torrado¨,  um  alemão  de  olho  azul  e  cor  de  mulato!
Quando  fui  dormir,  armei  minha  rede  garimpeira  no  quarto  indicado, e,  com  poucos  minutos,  senti  alguma  coisa  que  bateu  na  minha  rede.  Acendi  a  luz  e  vi  que  era  um  morcego.  Havia  um  bocado  deles  na  praça   José  Sarney,  em  frente  ao  hotel....
No  quarto  dia,  ao  amanhecer,  tomei  café,  agradeci,  e   segui  viagem  no  rumo  de  São  Bento.  Pelo  caminho,  parei  algumas  vezes  para  comer  azeitonas,  uma  frutinha  doce, comum  na  região.  Em  São  Bento,  lá  pelas  11  horas,  fiz  uma  merenda.  Depois,  segui  no  rumo  de  Vitória  do  Mearim,  onde  cheguei  ao  anoitecer.  Num  trecho  plano,  caiu  um  temporal,  eu  a  favor  da  ventania,  fiquei  animado  e  coloquei  a  corrente  da  bicicleta  na  coroa  grande (48).  Pedalei  forte  por  uns  20  minutos  e   senti  uma  dor  na  virilha (distensão).  Este  trecho  de  São  Bento  a  Vitória  do  Mearim  não  tinha  lombadas,  mas,  estranhamente,  em  trechos  despovoados,  deparei  com  umas  valetas  de  20 cm  de  profundidade  por  20  cm  de  largura,  como  se  fossem  lombadas  do   lado  avesso,  sem  nenhuma  sinalização.  Por  conta  disso,  havia  uma  Kombi  e  um caminhãozinho  esperando o  mecânico...
Em  Vitória  do  Mearim,  depois  de  comprar  pão  e  merendar,  já  escuro,  andei  mais  dez  km  e  entrei  em  Arari,  onde  fui  à  feira  e  arranjei  um  lugar  para  pendurar  a  rede  junto  com  os  feirantes.

A  partir  deste  dia,  além  da  fraqueza,  ainda  ganhei  o  problema  da  virilha.  Cada  vez  que  eu  parava  de  pedalar,  mesmo  que  fosse  só  para  dar  uma  mijadinha ,  a  dor  se  manifestava  e  só  parava  quando  o  corpo  aquecia.  Assim  sendo,  cada  vez  que  eu  ia  começar  a  andar,  fazia  dez  agachamentos  ao  lado  da  bicicleta,  prática  esta   que  funcionou  muito  bem.  Em  compensação,  a  chuvarada,  afora  aquele  temporal,  acalmou e  o  sol  se  fez  presente.