No quinto dia,
de Arari , passando
por Miranda, entroncamento, Itapecuru,
João Leite e Vargem
Grande, com vento
contra, fraqueza, virilha
incomodando, me superei
e cheguei até
a Placa, um
povoado de meia
dúzia de casas,
bem na entrada
para Urbano Santos,
uns 40 km
antes de Chapadinha.
Num barraco de chão de areia, paredes
de barro e
telhado de palha, uns 5 m de largura por
uns 15 de
comprimento, conversei com
um pessoal que
estava jogando dominó
e pendurei a
rede lá no
fundo. Quando acordei,
meia noite e
tanto, estavam, além
de mim, mais
3 pessoas deitados
em redes, esperando
para pegar condução
ao amanhecer.
No sexto dia,
sem ter o
que comer nem
onde comprar, saí
no rumo de
Chapadinha, ainda antes
de clarear, e num comércio,
a uns 4
km antes da
cidade, pedi algo
para comer. Me
deram ovo frito
com farinha; senti
as minhas baterias
carregarem rapidamente. Fiquei
impressionado. Depois de
subir dois morrinhos,
fui a um
posto de gasolina ,
fiz mais uma
merenda.
Seguindo, a estrada
ficou mais suave
e o vento
acalmou. Passei Anapuru,
Brejo, Santa Quitéria. De Santa Quitéria para
São Bernardo, uns morrinhos bem
difíceis. Cada um que subia, de
coroa 28 e
fazendo zigue-zague, eu
ficava ofegante. Quando
entrei na cidade, ao
descer o último
morro, sentei numa
calçada alta, ao
lado da Delegacia
de Polícia, e
contei o tempo
até ficar com
a respiração normal:
14 minutos!
Ganhei dois pedações
de bolo + café com leite numa
casa do outro
lado da rua. Me
senti animado e
andei mais uns
30 km até um posto
de gasolina (Mamorana), onde
ganhei janta, tomei
banho, e pendurei
a rede para
dormir. Fui tão
bem tratado que
quase encabulei.
No sétimo dia, fui
até Parnaíba. Dei
umas voltas pela
cidade, procurei por
um tal de
Carlinhos que era
primo de um
outro Carlos, de
Belém. Lá pelas
5 da tarde,
já anoitecendo, numa
praça no centro,
conversando com uns
motoristas de táxi, havia
uns insetos dando umas
¨mordidas¨ dolorosas.
Perguntei o que
era e disseram
que eram muriçocas. Ao
perguntarem se não
havia em Belém,
respondi que eu
nunca tinha encontrado
em nenhum dos
quase 20 Estados
onde já passei
de bicicleta.
Os taxistas conheciam
o Carlinhos que
eu procurava e me ensinaram
onde ele morava, próximo a
uma lanchonete onde
todos o conheciam.
Já no escuro,
achei a casa
que o pessoal
da lanchonete indicou.
Lá chegando, haviam
uma senhora e
uma moça, e disseram
que o Carlinhos
estava morando lá
na praia do
Coqueiro, a uns
10 km.
Deixei lá o
recado do outro
Carlos, e sem
ter onde dormir,
fui para a
BR e voltei 6
km até um
posto de gasolina,
onde costumo me
sentir em casa.
Dormi debaixo de uma
carreta, onde não
havia muriçocas, só
mariposas que não
mordiam, só gostavam
de luz... (dois
anos depois, numa
outra viagem, em
Tubarão=SC, encontrei as
tais muriçocas e
descobri que elas
não respeitam repelente.)
No oitavo dia, saí
do posto e
encontrei muitos ciclistas
no acostamento durante
os 6 km
até Parnaíba (acho que
estavam indo para
o trabalho). Depois,
segui no rumo
de Chaval-CE. A
estrada ficou mais
estreita, com alguns
trechos esburacados, mas
nada que dificultasse
uma bicicleta andando
a impressionantes 15 km\hora...
Num povoado onde
havia uma saída
para Luís Correa,
pedi algo para
comer numa casa.
Não lembro o
que ganhei, mas
fui convidado insistentemente para
ficar lá por
uns dias, pois
eles costumavam hospedar
viajantes e gostavam
muito disto. Expliquei
que minha viagem
tinha um tempo
limitado , agradeci a
oferta e segui.
Quando passei a
fronteira Piauí\Ceará, o
asfalto, mesmo sem
buracos, ficou bem
aspero. Asfalto primário, informava uma
placa. Chegando em
Chaval, um cidade
pequena, numa rua
com calçamento de
pedras irregulares, pedi
algo para comer
numa residência. Uma
senhora idosa e
seu neto me
serviram um lanche
e disseram admirarem
a minha coragem
e se ofereceram
para me ajudar
em mais alguma
coisa se necessário.
Era muita mordomia
para o meu
padrão. Seguindo viagem,
o vento começou
a se opor
com mais intensidade.
Em Barroquinha, já
na saída, entrei
num restaurante à
beira da estrada
e pedi para
encherem minha garrafa
com água.
Saindo da cidadezinha,
fazendo muita força
contra o vento, andei
uns 2 km
em 10 minutos.
Um carro encostou
ao meu lado
e um casal
me convidou para
voltar e almoçar
lá no restaurante.
Eles estavam lá
numa mesa e
ficaram curiosos.Aceitei o
convite e voltei.
Comecei a comer.
Primeiro a salada.
A mulher perguntou
se eu ia
comer só salada e
eu respondi: ¨na minha
barriga tem uma
gaveta para cada
tipo de comida...¨,
ao que ela
respondeu: ¨na minha também,
mas eu como
tudo misturado e um
separador coloca cada
tipo na sua
gaveta correspondente...¨. Era
um casal de
paulistas, trabalhavam com
informática, e estavam
viajando de férias.
Muito bem humorados,
o homem disse
que, no trecho
de Teresina até
Piripiri, havia tantos
buracos no leito
da pista que havia fila
de espera dos
dois lados.
Depois do almoço,
retornei à minha
luta contra o
vento. Estava andando,
com dificuldade, a 10
km\hora, tal a
força do vento.
Já faltando uns
10 km para
a entrada de
Camocim, encontrei um
rapaz de uns
25 anos entrando no
acostamento carregando 3
sacos de carvão
numa bicicleta Monark
barra circular. Conversei
com ele. Disse
que o carvão
era o ganha-pão
dele. Vinha cedo de Camocim
e queimava madeira
todos os dias para
fazer 2 ou
3 sacos cheios
para vender aos
comerciantes. A renda,
ínfima, era para
sobreviver com a
mulher e dois
filhos pequenos. Na
entrada para Camocim
nos despedi mos. A
estrada mudou de
direção, 90 graus à direita,
e os 24
km até Granja,
agora a favor
do vento, foram
percorridos em 52
minutos.
Bem na entrada
da cidade, um
posto de gasolina.
Num caminhão pequeno
que não iria
sair naquela noite,
pendurei a rede e
pernoitei.
No nono dia, lá pelas
5 da manhã,
tive de levantar
às pressas e
recolher a rede.
Havia começado a
chover e água
estava escorrendo pelas
frestas da carroceria (sem carga). Me
serviram um lanche
e segui viagem. Atravessei
a cidade de
Granja. As ruas
eram calçadas com
aquelas pedras irregulares.
Passei numa ponte
e saí por
uma estrada de
piçarra bem ruim,
sendo que em
algumas partes andei
por caminhos alternativos
ao lado da
estrada. Mais uns
poucos km, entrei num
povoado e perguntei
qual o caminho
para Marco, a
cidade onde eu
pretendia chegar naquele
dia.
Me disseram que
o mais curto
era ¨por dentro¨,
e indicaram seguir
reto no final
daquela rua à
direita. E lá
fui eu. Já
na saída do
povoado, uns 500m
de areal. E
assim foi durante
quase todo o dia.
Alguns trechos de
piçarra, maioria trechos
de areal. Muitas
encruzilhadas, nenhuma placa,
às vezes ninguém
para perguntar ¨pra que
lado...¨. Nas horas
próximas ao meio-dia,
a areia clara
ofuscava a vista
e fritava os
pés. Lembro que passei
por cima de
uma pequena ponte
de pedra do
tempo do Império,
e também por
dentro de uma
fazenda, sendo que
fui orientado a
fechar as duas
porteiras pelas quais
eu passaria.
Depois das duas
porteiras, encontrei uma
casinha de madeira.
O homem da
casa me ensinou
o caminho até
a próxima casa,
sendo que tomei
nota dos detalhes
para não me
perder. Ele disse
que depois da
próxima casa eu
não encontraria mais
ninguém para ensinar
o caminho! Percorri
o caminho e
vi a casa
que indicada no
alto de um
morrinho. Subi lá
empurrando a bicicleta.
Conversei um pouco
com o pessoal da
casa. O homem disse
que pescava para
viver, num açude
ali perto, e que,
embora o mar
ficasse perto da
casa dele, nunca
precisou e nunca
teve vontade de
ir lá. Perguntou
se eu queria
comer alguma coisa
e eu disse
que sim. A
mulher dele trouxe
dois ovos cozidos.
Fui quebrar um
deles, mas estava
mais duro que
o normal. O
homem disse que
era ovo de
capote , e que a
casca é mais
resistente que o
ovo de galinha.
Após comer os
ovos e encher
a garrafa de
água, ele me
ensinou o caminho
até o lugar
onde eu deveria
subir um barranco
e entrar na
BR. A BR era
uma estrada que
ligaria a cidade
do Marco à
estrada de Camocim,
mas, diante das
dificuldades em uma
região de baixada,
a obra foi
abandonada.
Chegando na tal
BR, uma estrada
de piçarra, andei
mais uns 20
km e cheguei
a Marco na
boca da noite.
Peguei a esquerda
e entrei num
posto de gasolina
dentro da cidade.
Perguntei se podia
pernoitar por lá.
Um funcionário do
posto me conduziu
à sua residência,
nos fundos do
posto. A mulher
dele preparou um
prato de comida.
Pendurei a rede
na cozinha mesmo
e lá dormi.
Décimo dia. Tomamos
café bem cedinho.
O funcionário do
posto foi trabalhar
e eu segui
viagem. Logo senti
a bicicleta leve
e percebi que
o vento estava
a favor, meio em
diagonal. Asfalto bom,
pouquíssimo movimento. Na
entrada de Amontada, antes
daquela subida, pedi
algo para comer
num comércio e
ganhei um bocado
de bananas. Estavam
muito maduras. Eram
muitas e eu
não poderia levar adiante
pois virariam mingau.
Diante da insistência
do comerciante, levei-as até
o alto da
subida, comi o
máximo que pude,
umas 15, e
dei o restante
para dois meninos
que estavam passando
por ali.
Depois, já pela
tarde, passei em
Itapipoca, uma cidade
maior que as
outras. ¨A Cidade dos Três Climas¨.
Quase na saída,
ganhei um pacote
de bolachas. Seguindo
viagem, passei pela
entrada para Uruburetama
e, mais adiante,
parei num posto
da polícia rodoviária.
Conversei um pouco
com os guardas
que ficaram curiosos
e ganhei um
litro de leite
longa vida. Já escurecendo,
atravessei ainda Umirim
e, lá na
saída, dormi ao
lado de um
restaurante onde mais
de 20 pessoas
dormiram também com suas
redes penduradas num
espaço aparentemente destinado
para ser este
dormitório ¨coletivo¨.
Décimo primeiro dia. Assim
que pude ver
o chão, segui
viagem. Passei por
São Luís do
Curu, Croatá, Primavera.
Só parei para
merendas mínimas e
rápidas. Novamente enfrentei
um forte vento
contrário até a
entrada de Fortaleza,
no km 15.
Do 15, onde
é o cruzamento
com a BR
que vem de
Brasília (BR 020), evitei
o trânsito mais
intenso da cidade
e segui pelo
anel viário, saindo
em Messejana. Depois, Eusébio,
e, na saída
de Aquiraz, parei
num posto de
gasolina, onde tratei
de me alimentar
e pendurar a
rede para dormir.