sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A caminhada que eu tentei realizar

Em 1982 eu tinha uma namorada no bairro Jurunas, em Belém, e morava na Cidade Nova, em Ananindeua, a 20 km de distância.

Algumas vezes, quando a deixei em casa de madrugada, voltei caminhando para a Cidade Nova, pois os ônibus, naquela época, paravam de circular à meia-noite.

Quando eu já havia caminhado metade do percurso, a partir das 6 horas já havia ônibus circulando, mas eu preferia ir até o fim caminhando, sendo que nunca senti nenhum cansaço ou desconforto por isso.

Então, uns 15 anos depois, resolvi fazer uma caminhada maior, 160 km, até Marudá. Calculei ir até Castanhal no primeiro dia (60 km), dormir num quartinho de hotel, seguir até São Pedro no segundo dia (+ 53 km), e os outros quarenta e poucos km no terceiro dia.

Para tal, saí de casa numa sexta-feira, feriado, levando dinheiro para as despesas e uma pequena sacola com um par de tênis mais folgado para o caso de os pés incharem,  uma toalha e uma rede garimpeira para dormir. Nem protetor solar eu usava.

Saí andando sem forçar, a mais ou menos 5 km/hora. Não senti nada nas pernas, não tive bolhas. Com 28 km caminhados, lá pelas 10h30min, parei para amarrar o cadarço que havia se soltado. Coloquei o pé sobre um galho e percebi que a perna estava meio travada.

Mesmo não sentindo nada, continuei despreocupadamente. Notei que, na medida em que o tempo passava, o comprimento das minhas passadas diminuía, mas a cadência não. Com 54 km caminhados, lá pelas 17h30min, resolvi, pela primeira vez, parar para descansar.

Pensei: “vou descansar dez minutos, tomar um banho no rio Apeú, e seguir para Castanhal”. Havia um tronco de árvore atravessado sobre a pista e sentei nele para o tal descanso.

Passados os dez minutos, tentei levantar, mas, para minha surpresa, embora não sentisse nenhuma dor, não consegui, pois as pernas, embora eu me esforçasse, continuavam dobradas.

Insisti por uns três minutos e, finalmente, consegui ficar de pé. Muito aborrecido, desisti de tomar o banho no rio e resolvi ir direto até Castanhal, pois faltavam só seis quilômetros.

Aí veio a outra surpresa. O pé não queria ir para frente. O máximo que eu conseguia era dar passos de dez centímetros. Calculei que, com um passinho destes, chegaria a Castanhal depois de duas ou três horas.

Vi então, a uns 100 metros atrás de mim, um caminhão de farinha parado no acostamento. Fui até lá e pedi uma carona para Castanhal. Subi na carroceria e, em dois minutos, estava indo de carona para terminar o primeiro dia da minha caminhada.

Uma vez em Castanhal, o caminhão não parou, e depois de eu chamar várias vezes, o motorista, que havia me esquecido, parou. Eu desci e o caminhão seguiu para Bragança, mais ou menos a 160 km de Castanhal.

Fiquei pensando que, se no primeiro dia as minhas pernas ficaram daquele jeito, como ficariam nos outros dois dias que faltavam?

Acabei desistindo. Peguei um ônibus de volta para Ananindeua e fiquei o sábado e o domingo em casa, amolecendo as pernas.

Se eu fosse uma pessoa normal, eu teria tido cãibras, pois nem certa vez quando corri durante mais de cinco horas sem parar eu as tive (mas as pernas ficaram meio travadas também).


Depois, conversando com militares e profissionais do atletismo, fiquei (quase) convencido de que, seu eu continuasse caminhando, as minhas passadas voltariam ao normal na medida em que os músculos fossem aquecendo....... mas isto eu ainda vou comprovar oportunamente.

domingo, 15 de novembro de 2015

Minha primeira grande viagem (Maceió/Pontezinha) (23ª parte)

13/04/84 Após o café da manhã e arrumar minhas coisas, fiquei um pouco pela casa e me despedi de Maria das Graças e sua mãe. Ganhei delas, para levar, arroz, ovos cozidos, pão, laranjas, uma colher e um pedaço de sabão.

Na saída de Maceió, numa praia chamada Ponta Verde, bati uma foto. A estrada, pela beira do mar, ia por entre coqueiros e mangueiras. Num posto de gasolina, fiz uma parada e comi arroz, ovos e laranjas. Depois, a estrada se afastou do mar e surgiram canaviais dos dois lados.

Entrei numa cidadezinha chamada São Luiz do Quitundes. Pedi alimentos em duas casas e ganhei pão com carne e dois abacates. Ao lado da delegacia de polícia, conversei com alguns rapazes.

Depois, numa outra cidadezinha, Matriz de Camaragibe, ganhei bananas, bolachas, jaca e mil cruzeiros. O homem que deu o dinheiro disse que, na saída da cidade, no posto de gasolina do seu amigo Antônio Davi, eu poderia pedir para dormir na garagem.

Comprei bolachas recheadas no supermercado e atualizei o diário. Depois, fui ao posto de gasolina, entrei no restaurante, tomei um suco de laranja e falei com Antônio Davi. Em seguida, sentei num banco em frente ao restaurante, comi as bolachas recheadas e atualizei o diário, Na garagem, sobre um banco estreito, com muitos mosquitos e o barulho de uma boate ao lado, dormi.

14/04/84 Acordei com diarreia. Comi algumas bolachas. Subi um morro e continuei a viagem. Pela posição do sol, eu sabia que a estrada ia na direção do mar.

Ao passar por Porto Calvo, entrei num posto de gasolina e comi bananas. Continuei. De repente, os canaviais sumiram. Apareceram coqueiros, e, em seguida, o mar. 

Mais adiante, entrei numa cidadezinha chamada Maragogi. Tomei um longo banho no mar. Depois, andei  pela cidade. Na praça havia dois alto-falantes de onde se ouvia músicas de Julio Iglesias. Passei em duas casas e ganhei bananas. As bananas estavam geladas. Comi e segui viagem.

Poucos minutos depois, a barriga ficou dura e começou a doer muito. Parei debaixo de uma árvore e deitei no chão. Acho que cheguei a desmaiar. Algum tempo depois, a dor havia passado e a barriga não estava dura.

Continuando, parei num posto de fiscalização e conferi minha localização geográfica. Fui informado que faltavam 125 km para Recife. Eram 11h45min. Fiquei animado e decidi tentar ir até Recife ainda neste dia.

A partir da divisa Alagoas/Pernambuco o asfalto acabou e a estrada passou a ser de blocos de concreto. Tendo andado uns 5 km, a estrada se afastou do mar e passou para os canaviais e iniciou-se uma chuva muito forte. Os dedos logo ficaram anestesiados e me esforcei para não ficar com frio. Sem sinalização, perdi a noção de ritmo. Passei por algumas cidadezinhas, só vi o nome de uma: Rio Formoso. A chuva não deu trégua e eu não parei.


Ao anoitecer, passei por uma cidade chamada Cabo. Achei que Recife estivesse próxima. Para minha surpresa, entrei na BR-101. Movimento muito intenso, acostamento péssimo (lama e buracos).

 Continuei enfrentando a chuva e a estrada ruim, até chegar num lugar chamado Pontezinha, quando parei num posto da Polícia Rodoviária Federal. Comi as duas laranjas que restavam. Troquei a roupa e me acomodei no chão, na garagem, entre uma Brasília e três tonéis de combustível. Havia uma casa noturna nas proximidades e dormi ouvindo música.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Minha primeira grande viagem (Maruim/Maceió) (22ª parte)

09/04/84 Acordei, chamei o sargento e saí. O relógio da igreja marcava 6h10min. Na estrada, movimento intenso de ônibus e caminhões. Passei  por duas cidadezinhas (Rosário do Catete e Carmópolis). Parei num posto de gasolina e comi pão, bolachas e laranjas.

Como já era costume, tomei alguns banhos de chuva neste dia. Mais adiante, parei em outro posto de gasolina para descansar. Eu tinha uma pequena ferida perto do pé. Estava infeccionada.

Entrei em Propriá por volta das 14 horas. Andei por toda a cidade. Nas casas onde pedi, ganhei pão, bolo, bananas, laranjas, mangas, carambolas, duzentos cruzeiros, um saco plástico com arroz, farinha  e carne, e uma marmita com arroz, feijão, farinha e muita carne.

Ao anoitecer, fui até uma praça para fazer a digestão (estava empanturrado). Comprei um band-aid. Conversei com alguns estudantes na praça. Depois, fui até a delegacia de policia. Dormi na garagem, sobre folhas de papelão. Antes de dormir, notei que o pneu traseiro estava murcho.


10/04/84 Acordei bem cedo, saí da garagem e fui esperar uma oficina de bicicletas abrir. Quando o mecânico chegou e abriu a oficina, resolveu logo o meu problema. O furo havia sido causado por um espinho. Depois, substituiu um outro remendo que estava ruim.

Saindo de Propriá, atravessei a ponte sobre o Rio São Francisco e estava já no Alagoas. Num posto de gasolina,  fiz a primeira refeição do dia com mangas e carambolas. 

Tendo andado uns 25 km, o pneu traseiro esvaziou. Parei, virei a bicicleta e comi uma laranja. Depois, tentei remendar o pneu, mas não consegui, pois o furo era junto ao bico.

Dei a câmara para um menino e fui empurrando a bicicleta. Depois de umas duas horas e pouco (cerca de 10 km), encontrei um velho caminhão Ford azul parado no acostamento. Estava com o pneu dianteiro furado e sem macaco. Fiquei conversando com o pessoal até que chegou outro caminhão, um Mercedes, e arranjaram um macaco emprestado para colocar o estepe.

 Ganhei carona. Passamos por Feira Nova e Junqueiro. Depois de Junqueiro apareceram enormes canaviais.

 Entramos em São Miguel dos Campos às 16:30. Passei em algumas casas e ganhei bananas, laranjas, mangas, pão e uma marmita com arroz, farinha e muita carne. Depois, fui a um posto de gasolina descansar um pouco.

 Dois funcionários do posto estavam pegando no chão umas formigas grandes e com asas chamadas de Tanajura. Um deles disse que levaria para casa para comer.  

Depois, fui à delegacia de polícia. Ganhei um colchão para dormir no corredor entre as celas. Conversei um pouco com alguns presos e adormeci.

 Numa certa hora, acordei com meia dúzia de policiais espancando um preso perto de mim durante alguns minutos.

Depois disso, ainda consegui dormir novamente.

11/04/84 Acordei bem cedo, ainda escuro, chamei um PM e pedi para abrir a grade. Saí e fui até o posto de gasolina, onde fiquei conversando com o pessoal até a cidade acordar.

 O posto funcionava numa  sem pavimentação e a minha bicicleta ficou cheia de barro. Quando saí do posto e cheguei a uma rua pavimentada, fiquei um bom tempo limpando a bicicleta.

No dia anterior, numa oficina, o mecânico disse que uma câmara nova para a minha bicicleta custaria 3.000 cruzeiros. Estando sem dinheiro, resolvi pedir nas casas, sendo que após pedir em 33 casas, consegui juntar 3.040 cruzeiros.

 Na oficina, Kita, o mecânico, montou a roda e ajustou o eixo central. Eram onze e pouco.

Passei em duas casas e ganhei bananas e mangas. Comi e segui viagem. Numa longa subida agarrei um caminhão de cana.

 Pedalei poucos km e entrei numa estrada à direita. Uma grande placa “Rodovia Senador Rui Palmeira” indicava uma estrada nova, muito plana e sem movimento. Outra placa informava “Maceió a 58 km”. Dos dois lados canaviais até onde a vista pudesse alcançar.

Depois de já haver acostumado a andar naquela linda e tranquila estrada, de repente, surgiu uma longa descida. Os canaviais desapareceram e, na minha frente, apareceu o mar. Lá do alto, como se fosse personagem de algum filme, eu exclamava “El mar, El mar...”. Eu estava muito feliz.
Na beira do mar, a estrada seguia cercada de coqueiros. Entrei na Praia do Francês, tomei um banho e bati uma foto.

Segui pela beira do mar, entrei em Maceió à tardinha. Pedi alimentos em quatro casas e ganhei quatro mangas, três abacates e setecentos cruzeiros. Fui a um posto de gasolina, comi as mangas e um abacate.

 Fui ao bairro Farol procurar a residência de Maria das Graças, uma amiga da minha irmã. Achando o endereço, descobri que ele havia se mudado. Um vizinho,   aquele que morava do outro lado da rua, desenhou um mapa e explicou o novo endereço dela.

Lá chegando, ela pediu toda a minha roupa para lavar na máquina. Tomei banho, jantamos, conversamos e, mais tarde, fui dormir.

12/04/84 Após o café da manhã, no Centro de Saúde, fiz vacina contra o tifo. Na Sucam, tentei vacina contra febre amarela, mas estavam sem vacinas.

Numa banca de revistas, comprei um cartão postal. Voltando à casa de Maria das Graças, escrevi alguns aerogramas e almocei. Depois, fui despachar os aerogramas no correio.

 Na volta, li um pouco sobre Kant e Aristóteles. À tardinha, fomos comprar macaxeira e cigarros.


Depois, jantar, conversar e dormir.